segunda-feira, março 14, 2005

Respeitinho é muito bonito

A distância também tem as suas vantagens. Inevitávelmente ao viver noutro país têm-se uma tendência infantil para as comparações, quando nada é comparável com nada. Faz parte desse exercício ao qual nos habituamos desde pequenos, a procurar referências que nos dêem um ponto de apoio seguro. Uma vez mais, a eterna busca da segurança.
Como a grande maioria (senão totalidade) dos portugueses, sofro essa quase mítica relação amor-ódio com o país. Cada um relaciona-se com isso como pode. Uns através da eterna queixa, outros através da rebeldia, outros através do comodismo, e outros através das mais coloridas e bizarras maneiras possíveis (afinal somos ou éramos um povo criativo). Ouvi ou li não sei onde que uma pessoa faz-se velha não pela idade, mas porque pára de perguntar porquê. E eu tento sempre exercitar essa questão que nos domina desde a infância. E a minha maneira de me relacionar com esse amor-ódio é exactamente perguntar-me “porquê?”.
Ao dar aulas de português fui dando-me conta de uma série de coisas interessantes, afinal a maneira como um povo se expressa através do seu idioma diz bastante acerca da psicologia colectiva desse mesmo povo.
Bom, juntando as comparações com o amor-ódio e as aulas de português, surgiu-me uma questão à qual tentei dar resposta: Porque é que em Portugal há um crescendo da utilização do “você”, e em Espanha essa tendência é quase porporcionalmente inversa? Podia justificá-lo com a opressão dos anos de ditadura, mas seria inválido, pois a Espanha também passou por isso. A única coisa que me ocorreu foi a questão do respeito. E pensando bem sobre o assunto, hoje em dia dá-me a sensação que temos uma relação um pouco errónea com o respeito. Por exemplo, somos capazes de aceitar e admitir (embora impotentes) que a administração do país pague tarde e a más-horas (o que é uma tremenda falta de respeito), quando exige exactamente o contrário de todos (ou quase todos) os cidadãos, apenas pelo facto de sermos tratados com algumas honrarias verbais. Ou seja, o ser tratado por Exmo Senhor, suaviza o facto de sermos desrespeitados. Por outro lado, se alguém desconhecido nos trata por tú, sentimo-nos indignados pela desfaçatez, e a pergunta que nos assoma de imediato é: “este conhece-me de algum lado, para tratar-me por tú?”. Ainda que essa pessoa tenha na realidade a melhor das intenções, e que o facto de “tutear” demonstre afecto pela intimidade e pelo respeito, essa pessoa já está, à partida, estigmatizada pela alegada falta de respeito inicial de tratar-nos por tu. O “você” marca uma suposta distância de segurança em relação ao interlocutor. O que para mim é verdadeiramente incompreensível é marcar essa distância com os próprios filhos, por mais moda que seja.
Um outro exemplo, é como ao longo dos tempos o discurso dos políticos foi substituindo a palavra “povo”, pela palavra “cidadãos”. Claro, porque “povo” já soa um pouco a revolucionário rasca, e já fora de moda, mas “cidadãos” é muito mais moderno, europeu, e sobretudo, respeituoso. E um português sente-se bem ao ser referido como um cidadão, sobretudo quando acompanhado de “de pleno direito”. Ainda que na realidade se tenha um “pleno dever”, e sejam postas sucessivas e graduais barreiras ao “pleno direito”, a maneira como se fala de nós (povo ou cidadão) influencia substancialmente na hora de escolher os governantes. Inevitavelmente esses governantes caem na falta de respeito aos seus votantes, e aos outros também, mas tudo se limpa com um honrado e sempre conveniente pedido de demissão, como se com isso se sanasse todo o mal causado pela incompetência ou negligência desses governantes. Na verdade, errar é humano, mas 30 anos de sucessivos erros governamentais, começa a ser desumano.
Aqui há um ditado que diz que o movimento se demonstra andando. E talvez no dia em que os portugueses comecem a dar menos importância ao suposto respeito verbal, e comecem a dar mais importância ao respeito demonstrado pelas acções, talvez se esteja no bom caminho para exigir uma classe política em condições, de pessoas verdadeiramente abnegada, com vontade de servir o país, mais do que a eles próprios. Pode ser muito dramático da minha parte, mas ultimamente tenho assistido a tantos crimes de lesa-pátria, por parte da classe política, que mais do que responsabilidades políticas, exigiria responsabilidades criminais. Ou o pessoal vai aturar para sempre o “quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão”?