segunda-feira, abril 04, 2005

Safar

Existe um verbo português que me parece fazer parte do imaginário colectivo português, e mais do que isso, parte da genética portuguesa. Senhoras e senhores, eis o verbo SAFAR. A maior parte dos portugueses não vive, vai-se safando. Há malta (como eu) que se safou à tropa. Uma pessoa que teve sorte na vida, safou-se. Pelo que me apercebi, a maioria dos portugueses acha que a fuga de Durão Barroso para Bruxelas não foi um crime de lesa-pátria, mas uma coisa muito natural pois afinal, como toda a gente, o rapaz anda-se a safar. Várias pessoas já me têm dito, que eu é que fui esperto, pois safei-me bem ao vir para Barcelona. Sempre ouvi dizer que os portugueses safam-se em qualquer parte do mundo. Também se diz que com um curso universitário um gajo safa-se melhor. Nunca ninguém me explicou bem o verdadeiro e amplo significado deste verbo, mas associo-o à acção de escapar ileso de alguma situação desagradável, e quase inevitável, e além de ileso, escapar sem grande esforço, ou por um golpe de sorte. O que não faz grande sentido para mim é quando um povo prefira ir-se safando a viver. Não só pela consequência gramatical do particípio passado do verbo, que convertido em adjectivo, dá o desagradável e prejorativo resultado de safado, mas principalmente pelo o que isso significa moral e psicologicamente. Ou seja, uma pessoa não trabalha para materializar os seus ideais, e consegue-o..............isso não! É mais simples dizer que se safou. Quer isso dizer que somos um povo de safados? Em vez de se construir um país como manda a sapatilha, vamos safando a coisa? A malta só não se safa aos impostos se não puder? Porquê? Porque temos um estado que se vai safando à conta dos muitos que não podem, ou não querem safar-se porque preferem viver? E com isso safa os seus protegidos? Cada um safa-se como pode, como se vivessemos à séculos num barco a afundar lentamente. E em vez de se aproveitar toda a energia criadora e empreendedora para safar esse barco, prefere-se passar sem ela, “para não criar muitas ondas”, pois a coisa já está suficientemente má.
Cabe-me elucidar a toda a gente que lhe interesse que a única coisa da qual me safei (e não é pouca coisa) foi da luta diária pelo respeito que me é devido apenas por ser pessoa. Parece que o português se sente melhor consigo mesmo quando humilha os outros. De resto, tive que recomeçar a minha vida do zero, numa idade em que a maior parte das pessoas está mais ou menos instalada (ou entalada) na vida. E não me vou safando. Vou fazendo algo que instintivamente sempre soube que seria assim.....viver. E viver implica construir coisas, não safá-las. Provavelmente houve outra coisa de que me safei: do “safe-se quem puder!”

Beijinhos a todos