quinta-feira, maio 26, 2005

Ele há coisas...........

Ele há coisas do destino, que sempre nos surpreende. Contagiado pelo salutar vício deste pessoal de ler livros, tenho andado a ler e a reler os poucos livros que tenho cá em português (tenho que comprar mais quando volte a Lisboa). Uma das últimas vezes que estive em Lisboa, comprei alguns para ter cá. Um deles de poesia do António Gedeão, e outro de prosa do Al Berto. A compra deste último livro teve uma história de há cerca de 10 anos. Andava eu com o João Ferreira a tocar pelos bares um pouco por toda a geografia nacional, quando o acaso nos levou a um barzito em Sines, vila que só conhecia de passagem. Adorei o centro histórico, e também o ambiente familiar do bar. Acabei fazendo amizade com o dono, o Valentim, que ao mesmo tempo era dono de uma loja de fotografia. Nesse ambiente familiar, depois de termos tocado, ficámos até ao amanhecer a comer linguiça assada, cervejas, e muita e boa conversa, como só os alentejanos sabem proporcionar. E as anedotas, rápidas, de humor aguçado e inteligente, as melhores. Como dizia, nesse ambiente familiar conheci um homem, que pelo discurso era alguém com bastante cultura, mas ao mesmo tempo com bastante vida vivida. Foi delicioso estar toda a noite a dar à língua, falando de tudo um pouco, desde política, a filosofia, ao futebol. Nas vezes seguintes, quase sempre o mesmo programa.
Assim como por acaso fomos parar a Sines, também um dia, por acaso, deixei de ir a Sines, por uma temporada longa. E quando voltei, de imediato perguntei por aquela personagem: "então e o Alberto?", ao que me responderam, " ninguém te contou? O Alberto morreu aqui há uns meses!". Senti como se tudo aquilo que eu sorvi naquelas noites, se cristalizasse e partisse dentro de mim. Essa noite foi diferente, já não houve petiscada e cerveja e conversa pela noite fora, pois a tristeza tinha-me tirado a vontade.
Anos depois, nessa livraria onde comprei os livros, vejo um livro com a fotografia desse meu amigo, e cheguei à conclusão de que o Alberto que eu conheci, era o Al Berto. Já tinha ouvido falar dele como escritor e poeta, mas nunca o suficiente para levar-me a interessar pelo seu trabalho. Armado de um estúpido sentimento de culpa, comprei o livro, e até agora já o li e reli umas 5 vezes. Não sei se é autobiográfico, ou se é uma biografia de uma vida que ele gostaria de ter vivido, e nem sequer estou preocupado com isso. Fala de gente livre, de gente que vive voluntáriamente fora do mundo, ou que encontrou o seu conforto (ainda que momentâneo) nesse lugar que é a noite. A noite, da qual eu fui habitante há muitos anos, e onde conheci muitas personagens iguais à deste livro. O livro chama-se "Lunário", e eu tenho saudades daquelas poucas, mas fantásticas conversas com o Alberto, até ao amanhecer. Também tenho saudades de tocar com o João Ferreira, que de o ver tocar comigo, me ensinou muito mais do que ele pensa.

segunda-feira, maio 23, 2005

Preguiça

Plena primavera. A minha 40ª primavera tem um sabor especial. Voltam as bermudas, as t-shirts e os chinelos-de-enfiar-o-dedo (conhecidos no Brasil pelo nome mais curto de "sandálias havaianas"). A temperatura que se mantém teimosamente acima dos 20º. Ontem, primeiro dia de praia do ano, com o meu pimpolho. Barceloneta estava quase cheia, o sol ameno, mas aconchegante, a salmora que se agarra à pele. Muito rabo, muito peito ao léu, que alegria para a vista! O passeio de ida e volta em bicicleta. Paragem no Passeio do Born, por insistência do Sérgio, para comer uma pizza nos argentinos (a melhor da cidade), coroada com um belo gelado italiano. Finalmente chega a época de sair da minha gruta de hibernação, e recomeçar a viver. É que, ainda que eu me quisesse esquecer, o meu corpo, desde sempre, me lembra que sou um animal, e mamífero, por sinal. E os mamíferos hibernam! Passei todo o inverno numa semi-existência, como se o mundo que me rodeia fosse um filme com qual eu não tenho nada a ver.
Voltando à praia, não me lembro há quanto tempo estava tanto tempo disfrutando de não fazer rigorosamente nada. Parece que para algumas pessoas é extremamente difícil não fazer nada. Para mim, sempre foi muito fácil, neste caso, foi só entregar o meu corpo à areia, e deixar o sol servir de cobertor, ao som das ondas. Bom, ao som das ondas e dos pregões dos paquistaneses que vendiam "cervesa, beer, fanta, coca-cola", e de umas chinesas que passavam oferecendo os seus serviços de massagistas. Por acaso não ia nada mal, uma massagem, mas tinha que me virar de costas, e não estava para isso, fica para a próxima. De repente veio-me à memória os pregões da praia de quando eu era pequeno: a língua da sogra, o olá fresquinho (frutóxculate), há bolinhos. Continuei de olhos fechados, a ouvir os diversos sons que vinham de redor, embalando-me para um estado de semi-sonolência, a que o calor do sol não era alheio. Que gostinho! Nem com uma grua me arrancavam dali!