sexta-feira, janeiro 27, 2006

Crónica de Portugal

     Primeiro foi a luz. Já não estava habituado à luz de Lisboa, e fiquei a entender o fascínio que alguns realizadores de cinema têm com Portugal. Em Portugal a luz brilha de outra forma, mais intensa, mais brilhante, arrancando as cores dos seus sítios e metendo-as pelos olhos adentro. E ao sentir essa intensidade luminosa, era-me difícil conter um sorriso e uma comoção. Pensei que talvez tivesse passado demasiado tempo fora, mas por outro lado, se não tivesse, agora não poderia disfrutar tanto, e notar a diferença.
     Seguidamente, foi baixar à terra, e enfrentar-me à burocracia do aeroporto, para tentar resgatar o meu saco da roupa, esquecido na passadeira das bagagens. Já me tinha esquecido que em termos laborais, uma das características dos portugueses é encontrarem um problema para cada solução, e que as medidas tomadas pelas administrações de empresas servem apenas para facilitar a vida aos seus administradores e altos cargos, nunca os seus empregados e muito menos os utentes.
     Depois, o reencontro com a família, com o bairro, com alguns dos seus habitantes, alguns amigos de há muitos anos, e o recordar de antigas histórias entre uma ou outra anedota. O café sempre óptimo, e a comida, sempre muita e sempre saborosíssima. Com a noite veio um pouco mais de solidão, mas também o recordar de cheiros e ruídos, de locais onde quase já não encontro ninguém conhecido. E caminhei em passos perdidos por essa Almada velha, meio remendada, meio decadente, observando esquinas e fachadas, cheirando o vento, e abandonando-me às minhas memórias.
     Depois fazer-me a Lisboa, e sobre a ponte emocionar-me com a vista desse mar imenso que é o Tejo. Recordar os milhões de vezes que o atravessei, fosse por ponte ou preferentemente, por barco.
     Não sei se pela proximidade do Natal, se por outra razão, fiquei com a sensação que as pessoas tinham “tirado férias” do pessimismo gerado pela crise. Por outro lado, ao deparar-me mais, ao vivo e a cores, da situação política (em plena campanha presidencial), que a classe política vive cada vez mais numa dimensão paralela, em que qualquer semelhança com o país real é pura coincidência, de tão grotesca e desfasada que está. E o povo também se comporta como se já nada tivesse a ver com aquilo.
     Bom, mas voltando à “poesia”. O reencontro com velhos amigos e colegas, também foi emocionante, e tive a sorte de coincidir com a última festa de aniversário do B.Leza, à qual se seguiria o seu definitivo encerramento, por ordem de tribunal. A noite de Lisboa ficará certamente mais triste. Depois do encerramento do Ritz Club, os espaços alternativos às discotecas são cada vez menos. Dentro de pouco só se poderá abanar o esqueleto ao som da martelada.
     Dias depois veio Aveiro, Porto, Coimbra e a serra de Sintra, onde agora é preciso pagar para entrar no recinto da Pena, e em Monserrate. Pensei que os impostos que a malta paga já serviam para a manutenção daquilo tudo, mas enganei-me, pelos vistos. Em toda a minha vida só me lembro de pagar para entrar no palácio da Pena, nunca no recinto.
     A ria de Aveiro sempre bela, e o jantar em Gaia, junto ao Douro, com vista para o Porto do outro lado, é algo indiscritível, mágico. Coimbra também sempre bela, dividida entre os dois mundos da baixa e da Praça da República.
     Depois foi o trabalho que fui fazer, e o encontro com a extraordinária abnegação dos amigos/colegas, que me ajudaram a levar a cabo esse trabalho. O conseguir juntar 3 pessoas que há mais de 10 anos não trabalhavam juntas, e de uma importante quarta pessoa, que dedicou o seu dia de aniversário para trabalhar connosco. Tudo isso deixou-me sem palavras, nem gestos de gratidão. A seu tempo, caros leitores, saberão do quê e de quem estou a falar.
     A noite de Ano Novo, passada inesperadamente em casa da Lígia, que foi DJ do lendário Frágil, durante anos a fio, foi do melhor! Passar o ano no Bairro Alto, a ouvir a melhor música de dança possível, Lígia no seu melhor!
     Na penúltima noite, após um jantar de trabalho, fui presenteado com a volta a casa dos meus pais, em cacilheiro. Os 10 minutos da travessia pareceram-me eternos de tantas memórias que me suscitaram, de outras tantas viagens, a ver as luzes dos barcos ao longe, o marulhar das ondas junto ao casco do barco, Lisboa a afastar-se, mostrando a Rua do Alecrim até ao Camões, e o Terreiro do Paço meio de esguelha, com a sua imponência reduzida por uma ridícula àrvore de natal gigantesca. Na margem-sul, de Alcochete a Almada, as pequenas luzes parecem espectadores do grande luzeiro que é Lisboa. De repente, por cima do Terreiro do Paço, vejo surgir a Sé, o Castelo de S. Jorge, e mais atrás o Panteão e S. Vicente de Fora. Magnífico! Por muitos anos que veja esta paisagem, nunca me cansarei. Assim como ver o Porto desde Gaia, ou Coimbra desde o Portugal dos Pequeninos, ou tantas outras maravilhosas paisagens do nosso país.
     A última noite foi passada, também com amigos/colegas no Musicais, vendo-os fazer um tributo aos Led Zeppelin, e aí encontrei ainda mais amigos/colegas, alguns que já não via há muitos anos.
     Nem as atribulações causadas pela incompetência do pessoal do aeroporto no dia seguinte, conseguiram diminuir a luz que luzia em mim ao voltar para casa.

6 comentários:

Na Lua Nova disse...

Adorei a "poesia"!
Viva o degelo!

Lusaut disse...

É bom ter te de volta. E logo com um texto destes. Fiquei com saudades de lugares, ambientes e pessoas que vejo quase todos os dias. Assim, durante uns tempos, não me vou esquecer de lhes dar o seu devido valor...

Estavas tu em Portugal - estava eu na Áustria...
...mas agora a minha cunhada vai para Barcelona durante 6 meses e eu vou ter que ir visitá-la!
Um abraço.

Cravo a Canela disse...

Sejas bem reaparecido. Tinha saudade da tua escrita e é bom ver-te com a alma em paz.

Um abraço do tamanho da beleza do nosso "jardim à beira-mar plantado".

Rogério Charraz

Laura Antunes disse...

Delicioso relato, obrigada.
Beijo Laura

Unknown disse...

Rapaz, belo jantar de trabalho. Agora precisamos é de continuá-lo!
Um abraço!!!
J Gata

Anónimo disse...

Era pra ter ido ver esse concerto, mas já tinha visto aquelas bestas musicais todas na semana anterior em Cascais.Fogo!!! Já tinha saudades de ouvir um rock a sério!!Muitas saudades tuas
Isabel CAmpelo