quinta-feira, novembro 23, 2006

O Efeito Olimpo

Por feito, defeito, ou efeito, grassa há diversos anos pela sociedade portuguesa uma tendência social bastante preocupante, e com efeitos nefastos a longo prazo. Talvez com causa na tal questão do respeito, de que já falei há uns tempos atrás, e da precária assimilação do conceito pela sociedade portuguesa. Muita gente confunde ser respeitado com andar a pavonear-se arrogantemente. E numa análise alargada, observo que isso afecta uma fatia crucial da sociedade portuguesa. Políticos, artistas, jornalistas, escritores, cineastas, actores e encenadores, bailarinos e quejandos agentes da cultura, isolam-se num olimpo por eles criado, por eles alimentado, e do qual se alimentam, sendo portanto auto-fágico. A este grupo de pessoas com as actividades mais variadas, juntou-se mais recentemente um outro grupo denominado jet-set, cujas actividades contributivas à sociedade não foram ainda esclarecidas.
E qual é a orgânica desse Olimpo? Como dizia Nicolau Maquiavel, o poder protege-se a si próprio, e isto já vem da sua época, portanto o Olimpo serve essencialmente para proteger e alimentar o poder. E nos dias que correm, poder quer dizer essencialmente dinheiro. Portanto a primeira preocupação de um habitante desse Olimpo é proteger o próprio Olimpo, com a plena consciência de que dele depende o seu sustento. Por conseguinte as suas acções visam essencialmente agradar e ajudar os seus pares olímpicos, como condição sine qua non para perpetuar a sua própria condição olímpica. E como tal, uma vez aceite como um novo deus, sofre uma total amnésia sobre como chegou ao Olimpo, tenha esse caminho sido virtuoso ou corrupto.
Os media em geral e a televisão em particular são quem decide a elevação ou não de certo indivíduo a olímpico ou não. Quantas mais aparições nos media, mais olímpico se torna, e portanto todas suas capacidades intelectuais ou artísticas são perfeitamente irrelevantes, tendo no entanto que se manter um mínimo arzinho de graça. E mesmo que entre os comuns mortais cause uma certa repulsa, isso é também irrelevante, pois somos todos animais de hábitos, e habituamo-nos a ver continuamente certa cara no pequeno ecran, e nas páginas da impressa especializada.
Basicamente as acções do Olimpo resumem-se à decalcomania, à excepção de uma ou outra atitude de soberba, onde aí sim primam pela originalidade. Os políticos aplicam o que Bruxelas diz, os artistas (de todas as artes) copiam o que vêem no estrangeiro, e até os modelos dos media são decalcados a papel vegetal, como eu fazia na primária. E quando decidem ser originais, e fazer aquilo que lhes passa pela cabeça, quase que preferia que continuassem a decalcar, pois pelo menos ainda se encontrariam alguns resquícios da qualidade original, salvo muito honrosas excepções. Obviamente que a susbsistência, continuidade e existência desse Olimpo é permitida por uma opinião pública totalmente desprovida de sentido crítico, e por conseguinte, sem opinião. O que numa época em que a informação está à mão de toda gente, só é explicável pelo bombardeio constante de desinformação dos media.


Não há nenhum patamar intermédio entre ser comum mortal e deus do Olimpo, portanto um indivíduo pode adormecer comum mortal, e acordar deus. Houve inclusive a quem lhe passou essa metamorfose enquanto fazia a rodagem ao carro. No entanto, pode e deve fazer lembrar as suas origens de comum mortal, sempre e quando seja necessário captar a simpatia do resto dos comuns mortais, e que normalmente se processa por uma ternurenta fotobiografia numa bem-humorada e ligeira reportagem televisiva acerca da sua pessoa. Portanto uma vez processada a ascenção ao Olimpo, perde-se totalmente o contacto com a vida real. Mas como a normalidade é um factor estatístico, quantas mais pessoas digam e permitam que o Olimpo seja real, mais ele é, por mais artificial que ele seja.
Há também quem tenha a sorte de já ter nascido deus, e portanto ter tudo mais facilitado, só necessitar manter o tal arzinho da sua graça, e mostrar que filho de deus sabe...........ser deus.

E agora eu pergunto. Onde se espera que vá um país onde o governo não governa, os políticos são politiqueiros, nada se cria e tudo se decalca, e a opinião pública não opina?



Já agora, queria agradecer à minha querida mãezinha, por ter pacientemente ter-me guardado semana após semana, os dvd’s coleccionáveis que o Público editou este ano a propósito do centenário do nascimento de Agostinho da Silva. Neles pude constatar e corroborar aquilo que digo anteriormente. Duas das intervenções de pretensos intelectuais da praça são absolutamente vergonhosas e constrangedoras: o realizador Manoel de Oliveira, e Miguel Esteves Cardoso. Ao lhe ser pedido para falar sobre Agostinho da Silva, Manoel de Oliveira só fala do que é que ele próprio pensa acerca do mundo. Esteves Cardoso ao entrevistar o professor, manifestou-se numa arrogância à prova de bala, agressivo a roçar a má-educação, rançoso, e com uma estupidez só típica de quem não entendeu absolutamente nada do que Agostinho da Silva lhe estava a dizer. Resta-me deixar-lhes a primeira pergunta do rapaz ao professor, para vocês adivinharem o resto: “O senhor é monárquico?”
Resta-me sublinhar a estoicidade e a calma com que o professor aguentou tal classe de perguntas, e ainda por cima teve disposição para explicar ao seu interlocutor coisas que o mesmo não tinha a mínima intenção de ouvir, pese a forma e volume dos pavilhões auriculares.

terça-feira, novembro 21, 2006

Ano Novo, Vida Nova!

Adoradíssimos leitores da Burra,



Quando muitos já pensavam que a Burra tinha perdido o pio, volta de novo a dar sinais de vida, qual fénix renascido das cinzas. E renasce por vocês, que não se pouparam a várias e ternurentas demonstrações de carinho e de saudade, que são obviamente levadas na mais alta consideração. De qualquer maneira, ainda que a Burra seja uma senhora, não esteve a fazer charminho todo este tempo, para que vocês implorassem este regresso. Não senhor! A Burra não se rebaixa a esses estratagemas de chantagem emocional. Têm sido meses de convulsões e metamorfoses na vida pessoal deste servidor que vos escreve, e que pelos vistos, as convulsões continuam.
Devem estranhar o título desta posta, pelo facto de não termos ainda chegado a Janeiro, mas tenho que vos explicar que para o meu calendário biológico, o início de um ano sempre coincidiu com o início do ano lectivo, e não com o início do ano do calendário normal. E acho que falo por muita gente. Principalmente desde que me dedico a essa nobre actividade que é o ensino, a coisa acentua-se mais ainda.
Mudei de ninho, mudei de estado civil, e ando há 3 meses numa guerra com diversas operadoras para conseguir internet em casa. E todas estas condições contribuiram seriamente para este silêncio prolongado. Juntando a isso o acumular de novas funções, ando mais polifacetado e multidisciplinar do que o Leonardo da Vinci, e os seus códigos. Antes sentia-me um pouco como o Clark Kent e o Super-Homem, entre a actividade de músico e professor de música e a de professor de português, agora assumi também a pasta do Homem-Aranha, e dou aulas de inglês, também. Isso a juntar às actividades básicas de pai, mãe, dona-de-casa (tem sido um desastre!) e senhorio. Tudo isto sem internet à mão-de-semear, a coisa definitivamente não está fácel!

O verão foi passado entre o desejo de ir à praia, e constantes viagens e concertos, e a montagem eterna do novo ninho. Foi aproveitar todos os bocadinhos para montar mais uma prateleira, ou pendurar um quadro. E logicamente veraneei na praia o mesmo dos outros verões passados: 2 ou 3 dias. Embora cada início de verão eu prometa a mim mesmo conseguir passar a barreira psicológica das 10 idas à praia, no decorrer do dito cujo, a coisa apresenta-se francamente uma tarefa difícil de levar a cabo, e nem a proximidade da praia ajuda.


Aliado a tudo isto, existe também o seguir escrupulosamente o conselho da minha saudosa avozinha: “Se não tens nada de jeito para dizer, o melhor é estar calado!” Mas devo assegurar-lhes que já há alguns meses que um texto anda a tomar forma aqui na cabeçorra, e estará para ser parido para breve.
Mas por vezes já me sinto um pouco constrangido a falar de uma série de coisas, nomeadamente sobre o nosso querido quintal, do qual me vou sentindo cada vez mais desfasado.
Também penso por vezes se devo escrever certas e determinadas opiniões que ninguém me pediu, mas estando eu na minha casa, digo aquilo que me apetece, e quem não gosta, a porta da rua é serventia da casa. Isto vem a propósito de terem havido pessoas que se sentiram extremamente incomodadas, e até ofendidas com certos textos aqui publicados, acusando-me de me comportar como os estrangeirados como o Eça de Queiroz, que viviam fora do país, e passavam a vida a criticá-lo, ou então de não ter moral para dizer certas e determinadas coisas. Ok, então para homenagear a Sandra Feliciano que tristemente parece que emudeceu, vamos lá dividir a resposta em alíneas.

a) ser comparado com o Eça de Queiroz é um elogio desbordado, ainda que seja somente pelo facto da condição de estrangeirado. Podiam chamar-me emigra, ou qualquer coisa parecida, mas estrangeirado é definitivamente elegante, e longe de o tomar como um insulto, assumo-o com dignidade e algum brio.
b) Se passo a vida a criticar o país, isso quer dizer que ainda me preocupo com ele. Mais que não seja porque uma grande parte das pessoas importantes para mim vivem nele, mas principalmente porque vivi nele, e mais ainda vivi-o intensamente ao longo de muitos anos, tentando estar o mais próximo possível da sua essência.
c) Não entendo muito bem as pessoas que têm uma necessidade de justificar e valorizar ou desacreditar o que é dito, pela moral ou ausência dela da pessoa que o diz. Por acaso os gregos têm menos mérito por ter inventado a democracia e ao mesmo tempo serem esclavagistas? O D. João II deixa de ser o Príncipe Perfeito, por se saber que foi um assassino impiedoso que exterminou toda a alta nobreza? O Saddam Hussein deixa de ter razão nas suas críticas à ocupação dos americanos no Iraque, por ser quem é, e ter feito o que fez? Creio que não, a moral não é para aqui chamada. A mim pouco me interessa quem faz ou diz o quê, desde que isso me sirva de alguma maneira. E nestes casos a moral serve de argumento a quem não tem mais nenhum, ou a quem tem medo de o que eu possa dizer até possa ser verdade, e que possa chocar algumas consciências mais acomodadas.

Obviamente que a escolha de ficar a criar banha no cérebro é de cada um, e é uma atitude que embora não faça parte da minha realidade, respeito que faça parte da realidade de quem quer que seja. Apenas gostaria que se respeitasse a minha escolha de levar o cérebro ao ginásio todos os dias.

Bom, mas o ano novo que se apresenta, apresenta-se francamente esperançoso, visto que para uma série de acontecimentos extremamente importantes da minha vida se concretizarem, não me resta outra solução senão esperar. A almejada ligação caseira à internet, pelas dificuldades e tempo que tem levado, practicamente insere-se neste capítulo.
Para já quero-vos deixar um profundo agradecimento pelas carinhosas manifestações de incentivo ao zurrar da Burra, com a promessa de próximas zurradas para breve, e possíveis e inevitáveis coices, também.

Não quero deixar de expressar a minha tristeza por neste regresso ter deparado com o silêncio do colega Cobre e Canela, que me deixou profundamente consternado, e que segundo informações que me chegaram está em coma profundo, devido a uns ataques terroristas cerrados de que foi vítima. Resta-me homenagear e solidarizar-me com um blog com o qual as minhas pupilas se deleitaram inúmeras vezes, e onde aprendi muita coisa. Principalmente quero agradecer ao Cobre ter-me chamado a atenção para os documentários sobre Física Quântica, que furiosamente descarreguei da net, e os quais devorei várias vezes. Obrigadinho por tudo, ó Sandra, e principalmente por fazeres parte daquele (cada vez mais diminuto) grupo de pessoas que mantém a massa cinzenta com corpinho danone.

Beijinhos e abraços, e outras manifestações de afecto

A Burra vive!