terça-feira, fevereiro 07, 2006

Outra Leitura

Facto 1 – Parece que as tais caricaturas surgiram numa publicação ultra-conservadora.
Facto 2 – Parece que o Imã de Copenhaga insurgiu-se directamente contra o governo dinamarquês, em vez de exigir desculpas públicas à tal publicação, nem apresentar queixa-crime por infâmia, e imediatamente enveredou por uma cruzada em busca de apoios à sua indignação
Facto 3 – Parece que os criacionistas norte-americanos já fizeram recentemente críticas mais duras e mordazes ao Islão, e não se levantaram tantas vozes discordantes.
Facto 4 – Tudo isto acontece quando o Irão e o seu programa nuclear estão em debate nas Nações Unidas. E também com um endurecimento religioso dos apoiantes de Bush, coincidindo com uma grande baixa da sua popularidade.
Facto 5 – Não há registo de qualquer tipo de manifestação da imensa comunidade muçulmana nos Estados Unidos.

Meus amigos.............isto cheira-me a esturro!!

A Caricatura da Sociedade

     Tenho normalmente uma simpatia pelos dinamarqueses, e pelos nórdicos em geral, que apesar de serem um pouco toscos, são pessoas geralmente simpáticas e inteligentes, e com bastante sentido de humor. Mas nesta história das caricaturas, acho que a inteligência pouco os ajudou. Realmente a Sandra Feliciano deve ter razão, e ando um pouco desatento, pois só me dei conta da história ontem. Mas voltando à história. Parece que o exemplo da reacção do Islão ao livro “Versículos Satânicos” de Salman Rushdie, anda um pouco esbatido na memória do pessoal. E da maneira como andam as coisas pelo mundo islâmico (com ou sem razão, não é isso que se discute aqui), publicar as tais caricaturas, é decididamente “cutucar a onça com vara curta”, como dizem os brasileiros. Foi realmente uma estupidez provocar gratuitamente a ira de uma parte importante da população mundial, sobejamente conhecida por não ter muito sentido de humor no que toca a assuntos religiosos, entre outros. E digo isto com algum conhecimento de causa, pois vivo num bairro de maioria muçulmana, onde provavelmente me terei que confrontar com algumas das acções de protesto, além de ter dado aulas a muçulmanos, também.
Esta posta vem na sequência de ter recebido um email com um texto publicado no blog Combustões, na base do “Mata o Mouro!!!”(onde não há direito a comentários, o que pode ter várias leituras), e que me incomodou o suficiente para escrever estas linhas. Não conheço o autor do texto em causa, mas parece-me uma pessoa com um certo eruditismo, e algum conhecimento histórico. Pena é que desse conhecimento histórico, só se lembre das negras façanhas dos muçulmanos, e não das dos europeus, e recordando as grandes contribuições dos europeus à civilização mundial, se esqueça das do Islão. Mas se tem fraca memória, ou memória selectiva, recordo aqui que a finais do primeiro milénio, aurora do segundo, o califato de Córdoba, era o farol da civilização mais avançada da época, tanto em termos tecnológicos, como em termos artísticos, contrastando enormemente com a grunharia que era a Europa Cristã. Se não fossem os àrabes, ainda andávamos a fazer contas em numeração romana (que dá tanto jeito com catar pulgas com uma luva de boxe), e que sem os conhecimentos de navegação àrabes, os portugueses nem sequer tinham chegado às Berlengas. Que no sul da Península Ibérica as povoações têm ruas onde a largura se vai alterando, e com isso provoca diferentes pressões de ar, fazendo o ar circular. Além de terem plantado laranjeiras na via pública, que ao mesmo tempo que mata a sede e a fome aos mais desafortunados, perfumava as ruas num tempo em que o saneamento básico era desconhecido.
Quero deixar bem claro, que não estou a fazer a apologia do mundo islâmico, e do seu mondus vivendi et operandi, mas parafraseando a grande frase do filme Spiderman “Um grande poder, acarreta grande responsabilidade”, e há que saber realmente do que é que se está a falar. E parece-me a mim que os europeus, tal como Napoleão, nos coroámos imperadores da razão, e tão cegos estamos com a luz que irradia do nosso idílico e paradisíaco mundo, que com toda a soberba e arrogância, queremos julgar e obrigar civilizações diferentes à nossa, a pensar e agir da mesma maneira que nós. Afinal onde é que está o tal politicamente correcto? Onde está o tal respeito pela diferença que tanto apregoamos? Sim, são apenas umas vulgares caricaturas que nos fazem esboçar um sorriso.........PARA NÓS!!!! Se isso ofende outras pessoas, que se lixem?? É essa a postura de uma sociedade dita moderna, tolerante e progressista? Não me parece. Mas também eu sou um mero plebeu europeu, que se aproveita da dita liberdade de expressão, para dar a minha opinião que ninguém pediu. No entanto, tenho abertura suficiente para permitir aos outros que contestem essas opiniões, dando-lhes a possibilidade de comentar. Não privo ninguém do direito de resposta, com receio de ler aquilo que não me convém.
Uma pequena ressalva, ainda acerca do post do blog Combustões: como estudante que fui, e amante que sou da História, aprendi que é perfeitamente obtuso e absurdo descontextualizar os feitos do passado, e trazê-los para o presente, para assim julgá-los e servir de suporte a uma qualquer teoria que nos apeteça. No entanto, reconheço que deve fazer com que nos sintamos melhor connosco próprios.