domingo, outubro 09, 2005

Ainda o 3º Aniversário

Ainda a propósito destes 3 anos que passaram, queria deixar-me das inevitáveis queixinhas, e falar sobre aquilo que aprendi, e de que me lembro.
O primeiro mês foi a incógnita total. Quase não consegui dormir, entre a excitação de toda a vida pela frente para consolidar coisas, e o facto de estar a morar entre a calle Aragón (que tem 6 faixas de trânsito) e a Avenida Diagonal (outras tantas). Lembro-me que o casal que morava no andar de cima fazia amor pontualmente à uma e meia da manhã, quase como quem escova os dentes antes de dormir. Vinha-me sempre à memória uma canção da Joni Mitchell:" The Crazy Cries of Love".
Depois o princípio duma nova rotina, começando a dar aulas na escola Passatge. Começando a aprender a dar aulas. O aperto de ver o meu dinheiro a chegar ao fim, e a salvação que constituiu a minha entrada no departamento de cobranças de visa no Citibank, departamento de Portugal. A seguir o desencanto. Começa a guerra do Iraque, lá fora a população manifestava-se, e eu sentindo-me como um traidor a soldo do inimigo. Três semanas depois era despedido duma maneira ignóbil, como é uso e costume deste tipo de instituições “respeitáveis”. Quanto mais “respeitáveis”, mais ignóbeis os seus procedimentos.
Foi também o conhecer um novo universo e novas culturas: a catalã, a espanhola, e principalmente a latino-americana. A latino-americana por mão dos meus amigos argentinos, chilenos e venezuelanos. Constatar como Espanha mantém fortes laços culturais e económicos com as suas ex-colónias, e compará-lo com o “virar de costas” do estado português às suas. Ver como os actores, escritores, pintores e músicos espanhois são conhecidos e apreciados na América Latina, e vice-versa, constituindo assim um mercado cultural quase inesgotável.
Foi aproximar-me ao flamenco, que desde sempre me havia seduzido através de Paco de Lucia e do seu grupo, e descobrir todo um universo de cores e sons, muito mais aberto do que eu pensava.
Foi também aproximar-me à cultura marroquina, através dos meu alunos dum centro de jovens em Terrassa. Descobrir que afinal não somos tão distantes, nem na religião, nem na cultura. Descobrir de onde vieram certos ritmos portugueses. Descobrir que eles podem estar um pouco atrasados, mas que são iguais ao que nós éramos há 30 anos atrás.
Foi aprender que no bairro onde vivo, podem conviver diferentes etnias, religiões e culturas em relativa harmonia, unidos pela comum condição de imigrantes, e que é tão fácil ser simpático. E como este fenómeno está a mudar a face da cidade.
Muitas vezes me perguntei porque é que a Europa rejeita tão veemente a integração dessas novas culturas que vêm até ela, desaproveitando uma oportunidade de ouro para uma regeneração que se anuncia urgente e já tardia?
Nesse sentido, tudo parecia bem em Portugal a princípios dos anos 80, e que a pujante exuberância e creatividade das pessoas que recentemente tinham chegado das também recentes ex-colónias estava a contagiar beneficamente a sociedade portuguesa. Depois, veio a entrada na CEE, e os sucessivos governos cavaquistas, e as cores empalideceram, e se acinzentaram. Um amigo meu argentino disse-me que é o medo a crescer, que é o medo a mudar uma estrutura que de tão velha já cai aos bocados, e que desesperadamente se tenta manter a todo o custo. Mesmo a custo de esquecer velhas querelas de séculos e criar uma união.

1 comentário:

Margarida C. disse...

É o medo de mudar. Vivemos num mundo fechado, pouco receptivo a novas coisas. Gostamos de nos queixar mas na prática acabamos sempre por cometer os mesmos erros. Vêmos a mudança como uma coisa drástica e por isso não arriscamos. É um bocado como o fenómeno da reeleição do Bush. Muito cascáram no homem mas o que é facto é que foi reeleito. Parece que o "desconforto" reflectido pela má competência política começa a fazer parte da rotina das pessoas e têm receio de se desfazer dele.
Nunca tinha comentado aqui... Gosto do teu blog João!